A Era da Integração

Toda virada de ano é especial porque industrializa a esperança, diria Drummond. Há uma magia no ar que nos torna a todos grandes planejadores.

Um dia você apanha um velho álbum de fotografias e começa a revisitar seu passado. Entre as imagens registradas nas fotos e aquelas gravadas em sua mente, passa diante de si o filme de sua vida.

O álbum dos primeiros anos lembra boneca ou carrinho de rolimã; casinha com comida de mentirinha ou pipa voando na amplidão; dente de leite caindo e sendo arremessado por sobre o telhado; bola de futebol e de gude, pião e corrida de pega-pega. Videogames não entram aqui porque são símbolo de outra geração que, por enquanto, não está interessada em ler artigos como este...

O álbum de formatura remete ao primeiro beijo, aos bailes de salão, à descoberta da malícia, ao vestibular, às festas e festivais, às noites em claro para estudar – e às noites no escuro para namorar. Seios que crescem, barba que surge, cabelos que encompridam e que caem. Vozes finas que se tornam graves, faces pálidas que enrubescem. Inocência que se perde porque se pede, porque se permite.

Quando olhamos para trás, seja para nossa história pessoal, seja para a história da humanidade, temos a nítida impressão de que tudo transcorreu com absoluta linearidade e harmonia. Tudo parece ter acontecido como que seguindo um roteiro criteriosamente escrito. Assim foi porque assim tinha que ser.

Todavia, quando olhamos para nosso presente, o caos parece imperar. Não há aquela linearidade, mas apenas sobressaltos. Fosse possível fotografar o momento e teríamos algo similar às curvas de um eletrocardiograma. Dificuldades, adversidades, angústias. Intolerância, desamor, depressão. Quando a linha é reta, você sabe para onde ir; quando oscila, você não sabe onde vai dar...

Vivemos a Era Industrial, inaugurada por James Watt com sua máquina a vapor. E nossa vida foi governada com olhos voltados para o produto. Importava a coisa em si, a ponto de certo Jean-Baptiste Say declarar que “toda oferta cria sua própria demanda”.

Depois, veio a Era Pós-Industrial, quando esta equação se inverteu. Do produto, o foco passou a ser o mercado. Descobriram que as pessoas tinham desejos, preferências e capacidade de escolher.

Não demorou muito para que no início dos anos 1990 surgisse uma estrada pavimentada na palavra digitalizada, capaz de interligar o mundo. Assim, a internet inaugurou a Era da Informação, universalizando a comunicação, rompendo barreiras e fronteiras.

Mas não são dados ou informações, máquinas e tecnologia, que fazem a diferença. São pessoas. E mais do que isso, relacionamentos. Você possivelmente namora, casou-se ou vai se unir a alguém que conheceu em seus círculos de amizade. Provavelmente começou a fumar por influência de um colega. Torce pelo mesmo time que um de seus pais. Frequenta academias ou clubes por indicação de alguém. Comparece à igreja a convite de um de seus pares. Trabalha numa empresa ou mudará de emprego por recomendação de um conhecido. Bem-vindo à Era da Integração.

Vai-se quase um século que o filósofo espanhol Ortega y Gasset presenteou-nos com a frase que prefacia este texto. “Eu sou eu” porque sou, antes de tudo, essência. E uno, único, indivisível. Posso ser copiado, imitado, mas não duplicado em mente e alma. Sou o resultado de meus pais, meus avós, meus ancestrais, todos vivendo dentro de mim e ao mesmo tempo agora.

Sou também fruto das “circunstâncias”, do imponderável, do ambiente. Das pessoas que me cercam, das com quem me relaciono, das que me dão ouvidos e das que me dão palavras. Daquelas que ao me encontrarem levam um pouco de mim e deixam um pouco de si. Que me depuram, lapidam e transformam. Mas é certo que são “minhas” circunstâncias, posto que posso elegê-las.

Não sei quais os sonhos mais recônditos que habitam seu imaginário. Podem ser sonhos simples como o orvalho da manhã ou complexos como grandes edificações. Talvez nem você mesmo saiba. Mas é certo que há um prazer imenso em sonhar, postular e realizar.

Toda virada de ano é especial porque industrializa a esperança, diria Drummond. Há uma magia no ar que nos torna a todos grandes planejadores. Aprendemos num átimo que metas se constroem com papel, lápis e imaginação. É um período tão intenso que penso que deveríamos criar o calendário de seis meses, abolindo o gregoriano. Assim teríamos duas chances para recomeçar.

E, ao planejar, lembre-se não apenas do que deseja ter, não apenas de onde pretende estar, não apenas o que anseia conquistar, mas fundamentalmente, com quem, através de quem e ao lado de quem espera relacionamentos cultivar.

Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países.

Paula Martins 11-11-2013 Artigos

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