Etiqueta, não se prenda às regras, use o bom senso

  Angela Valiera Sempre que sou apresentada a alguém como Consultora de Etiqueta, percebo que, a partir daquele instante, passo a exercer um

Sempre que sou apresentada a alguém como Consultora de Etiqueta, percebo que, a partir daquele instante, passo a exercer um misto de fascínio e insegurança nas pessoas. É como se elas quisessem estar perto de mim e me conhecer mais por acreditarem que consultoras de etiqueta são pessoas polidas, gentis e agradáveis, mas, ao mesmo tempo, sentem-se impelidas a se esconder com receio de alguma gafe que possam vir a cometer. Algo que o olhar clínico de um profissional reprovaria instantaneamente e faria com que elas fossem exiladas para sempre no hall dos mal-educados e anti-sociais.

Isso é uma projeção. As pessoas não têm fascínio ou insegurança em relação a mim ou à minha profissão, mas do que a etiqueta representa para elas: um grande conjunto de regras complicadas que elas têm que decorar e executar a risca para que possam ser aceitas na sociedade. E se eu lhe disser que a etiqueta não é feita de regras arbitrárias, mas de princípios regidos por puro bom senso? E mais ainda: que sendo assim, quando você não souber qual a “regra” que deve ser aplica basta você observar, pensar e agir da forma que lhe parece ser a mais adequada? Consegui diminuir sua insegurança?

Segundo Josh Billings, escritor americano do séc. XIX: “bom senso é a capacidade de ver as coisas como são e fazê-las como devem ser feitas”. Assim é regido o comportamento em sociedade e os princípios da etiqueta social e profissional.

Leonardo da Vinci foi um dos homens que iniciou as regras de etiqueta a mesa, na corte de Ludovico Sforza, em Milão. “Nenhum hóspede deverá colocar sua perna sobre a mesa ou sentar-se sobre ela; não deverá pegar comida do prato de seu vizinho, a menos que ele consinta; não deverá retirar comida da mesa e guardar nos bolsos ou na bota para uso posterior; não deverá limpar sua faca na roupa de quem estiver a seu lado...”1. Alguma dúvida que foi baseado apenas em bom senso?

A ordem dos pratos data da mesma época, fim do séc. XV e início do XVI. A razão de que seja servida primeiro a salada, depois os pratos quentes e por fim os doces também tem um motivo lógico e de bom senso. Alimentos crus, como verduras e legumes, são ricos em fibras que facilitam a digestão, por isso devem ser ingeridos no início da refeição. A importância das proteínas, carboidratos e grãos, do ponto de vista da nutrição, já é conhecida de todos atualmente, compondo, portanto, o prato principal. Assim como é conhecido o fato de que o açúcar é considerado caloria vazia, pouco alimenta e deve ser consumido com moderação, sendo então deixado para o final da refeição em porção menor que os outros alimentos. O fato de trocar pratos e talheres a cada novo prato que é servido permite que os sabores sejam evidenciados evitando a mistura de molhos e temperos. Além disso, o ritual permite que a refeição seja feita com calma enquanto a conversa acontece, tornando o momento da refeição ainda mais prazeroso.

A posição dos utensílios à mesa também é regida pela lógica e bom senso. Facas são armas, por tanto devem ser manuseadas pela mão de maior controle e firmeza, por isso ficam do lado direito do prato – uma vez que a maioria da população é destra. Garfos ficam do lado esquerdo, para que sejam manuseados com a outra mão. Os copos e taças ficam também do lado direito à frente das facas, também pelo motivo de que a maioria da população é destra, facilitando assim o seu manuseio. Da direita para a esquerda seguem copo de água, de vinho branco e de vinho tinto. Assim, eles ficam posicionados por ordem de tamanho, facilitando na hora de servir a bebida. Se a taça maior estivesse para fora ficaria muito difícil servir as taças menores sem que a garrafa esbarrasse na taça maior, experimente e perceberá. Tudo, portanto, dentro do bom senso.

Atualmente, nossa vida atribulada, exige que muitas pessoas façam suas refeições em restaurantes por kilo, colocando todos os alimentos misturados em um mesmo prato, alimentando-se rapidamente, em cerca de quinze a vinte minutos no máximo. Além da correria e do excesso de trabalho, as mudanças na instituição da família também têm feito com que adultos e crianças alimentem-se sozinhos, assistindo televisão, sentados no sofá com o prato no colo. Não estaríamos vivendo um retrocesso? Essa “informalidade” tão disseminada hoje e que tanto foge da etiqueta social não estaria indo contra todo o bom senso e nos devolvendo ao período pré-Leonardiano, o qual nos parece um tanto quanto caótico em função das regras que tiveram que ser criadas por ele? Já é hora de entendermos a etiqueta como princípios de bem-estar, bom convívio e bom senso, mantendo nosso fascínio por ela e afugentando nossos medos e inseguranças, fazendo com que ela retorne às nossas vidas juntamente com seus benefícios. Uma sociedade sem etiqueta é uma sociedade na qual uns não respeitam os outros e a si mesmos, daí para a corrupção e a falta de escrúpulos é passo bem pequeno.

1 Retirado do livro Pequeno Dicionário de Gastronomia de Maria Lucia Coimbra de Gomensoro, Editora Objetiva, 1999.

Angela Valiera, Consultora de Etiqueta e Imagem Corporativa e Pessoal

 

 

Emprego e Renda 19-01-2012 Artigos

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